- Nº 1950 (2011/04/14)
Recurso ao Fundo de Estabilização não resolve

O <i>BCE</i> financia a especulação dos bancos

Temas

O BCE está a financiar a especulação dos bancos. A banca em Portugal, em apenas três anos, já lucrou com isso 3828 milhões € à custa das famílias, das empresas e do Estado. O dilema actual é: ou esta situação é alterada rapidamente ou o País tem de sair da Zona Euro.

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Tal como aconteceu antes da crise de 2008, em que os bancos financiaram os especuladores a uma taxa de juro baixa para que pudessem depois obter elevados lucros, também agora o Banco Central Europeu (BCE) está a financiar a banca a uma taxa de juro muito baixa (1%), não impondo quaisquer limites na utilização desse dinheiro, para que depois os bancos possam obter lucros extra à custa das taxas de juro elevadas que cobram não só aos estados mas também às famílias e às empresas.

É um esquema que interessa tornar claro para todos, embora os comentadores oficiais com acesso privilegiado aos média nunca se refiram a ele, procurando assim ocultá-lo.

Esse esquema «diabólico» é o seguinte.

Antes de ter entrado para a Zona Euro, Portugal possuía um Banco Central (Banco de Portugal) que podia emitir moeda (escudos), e que comprava dívida ao Estado a uma taxa reduzida, assegurando assim o seu financiamento e também garantindo que o Estado nunca entrasse em falência porque o Banco de Portugal disponibilizava sempre os meios financeiros para que o Estado pagasse os seus compromissos. As únicas limitações eram, em relação à dívida externa, que teria de ser paga em divisas, o que obrigava o Estado a recorrer fundamentalmente ao endividamento interno para se financiar, e a necessidade de evitar que a inflação disparasse.

Com a entrada para o euro o Banco de Portugal e o Estado português perderam esse poder que passou para o Banco Central Europeu (BCE). Só ele é que pode emitir euros. Para além disso, foi introduzida uma norma nos Estatutos do BCE que proíbe que este banco compre directamente dívida aos estados. No entanto, pode comprar dívida soberana, ou seja, dos estados no chamado «mercado secundário» onde têm acesso os bancos. Está-se portanto perante uma situação caricata que permite à banca especular com a dívida emitida pelos estados.

Ou seja, o BCE não pode comprar directamente a dívida ao Estado português, mas já pode comprá-la aos bancos que a adquirem. E então o esquema especulativo montado pela UE e pelo BCE para enriquecer a banca à custa dos contribuintes, das famílias, e do Estado português é o seguinte: a banca empresta às famílias, às empresas e ao Estado português cobrando taxas de juro que variam entre 5% e 12%, ou mesmo mais. Depois pega nessa dívida, titularizando-a, e vende-a ao BCE obtendo empréstimos a uma taxa de juros de apenas 1%.

Vejamos então quais têm sido os efeitos para Portugal deste sistema especulativo – sistematicamente oculto pelo Governo e pelos comentadores oficiais – financiado pelo BCE, o banco que em princípio devia servir os estados que constituem a Zona Euro e não a especulação.

 

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Diferença de taxas de juro rende à banca
3828 milhões de euros em três anos

 

O Quadro 1, construído com dados do Boletim Estatístico do Banco de Portugal, mostra, de uma forma quantificada, os custos para as famílias, para as empresas e para o Estado daquele mecanismo especulativo criado na Zona do Euro e financiado pelo BCE, no período 2008-2010.

Segundo o Boletim Estatístico de Março de 2011 do Banco de Portugal, a banca a operar em

Portugal obteve do BCE financiamento no valor de 14 407 milhões € em 2008; de 19 419 milhões € em 2009; e de 48 788 milhões € em 2010, pagando uma taxa de juro de apenas 1%, o que determinou que, por este volume de empréstimos, terá pago ao BCE cerca de 826 milhões €. Segundo também o Boletim do Banco de Portugal, a banca cobrou pelos empréstimos que, com esse dinheiro obtido do BCE, depois concedeu a particulares, a empresas e ao Estado, taxas de juro médias que variaram entre 5,05% e 6,87%, o que lhe permitiu embolsar, nos três anos, juros que somaram 4683 milhões €. Se subtrairmos a esta receita os juros que teve de pagar ao BCE (883 milhões €) ainda restam 3828 milhões €, que constitui a sua margem financeira líquida obtida só com o financiamento do BCE à taxa de 1%.

 

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Banca também aumentou os lucros
à custa de impostos não pagos

 

Mas não é apenas o BCE e os mecanismos criados na Zona do Euro que financiam a especulação dos mercados, ou seja, dos bancos à custa das populações. Como se isso já não fosse suficiente, em Portugal, através da multiplicação de benefícios fiscais concedidos à banca aprovados pelos sucessivos governos e mantidos numa altura em que são impostos sacrifícios à maioria dos portugueses, os lucros da banca têm aumentado também à custa dos impostos que não paga. O Quadro 2, construído com dados também constantes do Boletim Estatístico do Banco de Portugal de Março de 2011, mostra como a banca continua a gozar de elevados benefícios fiscais, determinando a perda de elevada receita fiscal para o Estado.

Segundo o Banco de Portugal, entre 2009 e 2010, os Resultados Antes de Impostos da banca em Portugal aumentaram 13,2%, mas o valor dos impostos pagos sobre os lucros (IRC + derrama) diminuíram em -26,2%, pois passaram de 446 milhões € para 329 milhões €, o que determinou que os Lucros Líquidos da Banca tenham aumentado (+22,9%), portanto mais do que a subida registada nos Resultados Antes de Impostos (13,2%). O aumento mais elevado nos Lucros Líquidos da banca deve-se ao não pagamento dos impostos a que qualquer outra empresa está sujeita. Em dois anos apenas (2009/2010), a banca em Portugal devia ter pago mais 491 milhões € de impostos se tivesse pago a taxa legal. A taxa média efectiva de impostos sobre lucros paga pela banca em Portugal foi, em 2009, de 19,2% e, em 2010, de apenas 12,9%, o que dá uma taxa média de 16,2% para o período 2009-2010, quando a taxa legal é de 26,4% (24,9% de IRC + 1,5% de derrama). A injustiça fiscal no nosso País atingiu uma dimensão nunca vista depois do 25 de Abril, e quando a carga fiscal sobre trabalhadores e pensionistas cresceu muito.

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Especulação com a dívida soberana
financiada pelo
BCE

 

Este ano, segundo o OE-2011, o Estado Português necessita de 45 000 milhões € para financiar, por um lado, os empréstimos cujo prazo de pagamento termina este ano e, por outro lado, para cobrir o défice orçamental que Sócrates e Passos pretendem que corresponda a 4,6% do PIB (7980 milhões €). Se Portugal tiver de pagar taxas de juro entre 8% e 9%, um empréstimo naquele montante custará ao País cerca de 3825 milhões € de euros por ano só de juros. Se a banca emprestar aquele valor e depois conseguir vender essa dívida ao BCE pagando uma taxa de juros de apenas 1%, o encargo que ela terá será de 450 milhões € por ano, o que determinará que a sua margem financeira líquida será de 3375 milhões €/ano. E em 2012, para além daqueles 45 000 milhões €, o Estado português precisará de se financiar em mais 35 000 milhões €, o que determinará que os encargos anuais só com juros, se se mantiver a mesma taxa, aumentará em mais 2975 milhões €. Tenha-se presente que a soma destes dois empréstimos representa apenas metade da dívida do Estado. E este tem mais juros a pagar pela restante metade da dívida. É uma situação incomportável e insustentável para o País e para os portugueses. É urgente pôr cobro a este esquema diabólico que tem como objectivo financiar os lucros da banca, que foi responsável pela grave crise financeira que enfrentamos, à custa dos contribuintes portugueses e do crescimento da economia portuguesa. As agências de rating, cujos lucros aumentaram significativamente em 2010 – uma parte importante das suas receitas são pagas pelos bancos (em 2010, as receitas da Standard & Poor´s e da Moody´s atingiram 3,5 milhões €, e os seus lucros 1,31 milhões €) – acabam por participar de uma forma perversa – são parte interessada – em todo este esquema, que só terminará quando a banca for eliminada do circuito de intermediação e os estados da Zona Euro se puderem financiar junto do BCE, embora de uma forma controlada e com limites. A não acontecer isto, os países como Portugal, para não deixarem de se poder financiar, terão de sair da Zona Euro, e os seus bancos centrais terão de adquirir novamente o poder para emitir moeda. Eis o dilema que se coloca e que se terá de enfrentar. O recurso ao chamado Fundo Europeu de Estabilização Financeira não resolverá o problema, pois não impedirá a especulação, como provam os casos da Irlanda e Grécia.

Eugénio Rosa